quinta-feira, 28 de março de 2013

Relógio Antigo

(From The Birthday Party series) Untitled, © Vee Speers, 2007



Ela era velha e tinha, contra si, o tiquetaque zombeteiro de todos os relógios, engrenagens diabólicas que desfiam os dias. Por isso, quando chegava ao café e se sentava na mesa-de-sempre para pedir o galão-de-sempre, era com uma mistura de estranheza e galhofa que os outros a viam tirar de dentro da mala uma série de peluches que sentava em cima da mesa e para os quais falava. Os putos riam-se, os homens encolhiam os ombros, e as mulheres suspiravam suspiros daqueles que, sem dizer nada, dizem muito. Mas ela não ligava; encolhia os ombros e dizia para aquela insólita plateia de pelúcia: “deixem lá; eles não entendem…”
Eu era nova e tinha, a meu favor, a irreverência da juventude que parecia tornar aceitável aquele meu jeito de vaguear sozinha ou de me sentar nas mesas dos cafés com o mp3 sempre ligado e os phones nos ouvidos, numa total (?) indiferença à vida que me rodeava. Era. Mas à noite, quando as luzes se acendiam tímidas e a cidade adormecia, também eu pousava a cabeça no aconchego reconfortante da barriga de algodão espalmada do meu ursinho e dizia em surdina: “eles não entendem; ninguém entende…”




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