terça-feira, 9 de abril de 2013

Filha da Lua

Ao Jesus Carlos,
que sabe ver o que mais ninguém vê

(Da série Rite of Passage) Night Light, © Tom Chambers, 2006


 
Movia-se sem qualquer ruído, una com a floresta que em torno dela se erguia e na qual se embrenhava cada vez mais. Sob a luz da lua, coada pelas copas das árvores, era não mais que um vulto, um manto longo, arrastando-se sobre a folhagem que cobria a terra. Havia nela algo de grandioso e nobre como um andar altivo e forte capaz de prender o olhar de qualquer um. Sob os seus pés nus nem os galhos que forravam o chão se quebravam... Sabia que, desse modo, a natureza lhe prestava a sua homenagem e se despedia. Em silêncio. Porque é assim que a terra faz o seu luto.
As palavras dele ecoavam-lhe na mente:
_ Ver-te-ei arder na fogueira e hei-de estar lá... a aplaudir!
Sabia que ele tinha razão. Por muito menos, quantas mulheres tinham já sido queimadas. Sem nada saberem. Nada fazerem. E, para ela, que tudo sabia e tudo fazia, a fogueira era o destino mais seguro.
No entanto, tudo poderia ser mais simples. Muito mais simples. Ele, poderoso e soberano, queria um herdeiro. E ela, bela e sábia, era naturalmente a escolhida para lho dar. Mas atrevera-se a recusar-lho, a ele, que nunca ouvia um “não”.
Aquela palavra, impronunciável, fora dita e o seu destino automaticamente traçado. Mas não se arrependia. Não. Nunca. Ela nunca se arrependia de nada.
Tinha ainda tempo para se despedir e isso bastava.
Abeirou-se do lago, no centro da floresta e despiu as longas vestes carmesim, não tão aveludadas como a pele que cobriam.
Era, toda ela um hino. De cabelos cor de fogo, refulgentes e longos, como uma cascata de labaredas desfiada ao longo da curva das costas e deslizando sobre uns olhos de cor indefinida, líquidos como a água daquele lago que contemplava. Olhos espelhados, capazes de tudo reflectir –e, por isso mesmo, de todos envergonhar-. A pele era leitosa, da cor da lua num corpo de seios macios e curvas definidas, um hino à fecundidade, não tivesse ela querido transformar-se em terra árida e intocada.
Ali se aninhou, à beira-água, como um feto no útero materno, de volta à terra que a havia gerado, àquela carne escura e pulsante que lhe dera a vida e a quem ela daria a sua.
Havia de sonhar com fogueiras... Com aquela imensa labareda que, sabia, duraria sete dias e sete noites, a crepitar incessantemente enegrecendo os céus e enlouquecendo os homens. Fogueira que ela haveria de contemplar de cima... uns bons metros acima porque o espírito, esse, era uma ave e havia de guardar aquela floresta para sempre...


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