quinta-feira, 29 de maio de 2014

Fairy tale

(From Chalk Dreams series) Rabbit on the Brain © Laura Burlton, 2010



Nunca percebi porque é que, de entre todas as pessoas, era sempre nos meus braços que aquela miudita se vinha aninhar, assim que deixava o refúgio seguro do colo da mãe. Parecia-me estranho que ela me escolhesse a mim; logo eu, que nunca soube como lidar com crianças. Mesmo assim, acho que aquela garotinha me conquistou e, por isso, sempre que ela me sorri com um daqueles sorrisos abertos que dizem “Faunchisca” e vem ter comigo naquele passo tão periclitante quanto apressado, nunca deixo de me aninhar e abrir os braços para a levantar comigo e sorrir-lhe de volta.
Ontem vi-a de novo e a cena repetiu-se mas, desta vez, levei-a ao meu quarto para lhe dar uma das minhas bonecas, que ela já tinha namorado há uns meses atrás. Quando entramos, ela encavalitada no meu pescoço e eu risonha e faladora como poucos têm oportunidade de me ver, abri caminho às escuras como sempre faço, porque havia, como há todos os dias, uma vela a arder, e essa claridade basta-me. Mas, quando a pousei no chão para procurar a boneca, ela falou-me muito séria:
_ Acende a luz… Isto assim é assustador!
Eu não pude deixar de me rir mas não lhe fiz logo a vontade. Em vez disso perguntei-lhe:
_ Assustador porquê?! Tens medo do escuro?!
E ela, mais séria ainda:
_ O escuro é cheio de monstros!
Pensei responder-lhe que o mundo lá fora está cheio de monstros bem piores do que os que ensombram a imaginação das crianças mas, por uma vez, achei que uma menina de ar tão inocente e sonhador, devia ser poupada ao gosto amargo do meu veneno. Por isso, limitei-me a sorrir e acender a luz do candeeiro pequeno ao mesmo tempo que me sentei sobre a cama. Ela veio aninhar-se entre as minhas pernas e pareceu-me tão pequenita, tão frágil, que aquela resposta, mesmo dada apenas em pensamento, me pareceu ainda mais cruel.
Sem saber bem o que lhe dizer e, talvez, querendo mostrar que a escuridão não era assim tão má, disse-lhe ainda:
_ Sabes? Eu moro aqui, no escuro; só com aquela velinha. E eu não sou um monstro pois não?
O “não” foi imediato, quase um gritinho mas, assim que ela fechou a boquita soube que ainda ia queria dizer mais alguma coisa; só não sabia bem o quê. Então ela abriu aqueles olhos muito grandes, muito azuis como um mar sereno e pôs a cabecita de lado, enquanto pensava no que me dizer. Não sei quanto tempo se passou até ela falar de novo porque os meus olhos tinham-se perdido na cascata de caracóis dourados que lhe caía do rostinho branco e redondo mas, de repente, ela abriu o mais largo dos sorrisos e, empinando a barriga por baixo do vestido esticou-se muito para ficar da minha altura e disse:
_ É fácil! Tu és a princesa e um dia vai chegar um príncipe que te vai tirar daqui!



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